Do que é Feita a Intimidade?

Vínculos profundos proporcionam a experiência insubstituível do afeto genuíno e validam quem somos de verdade. Aprenda a estreitar seus laços e a crescer com eles
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07.10.2020

A convivência intensiva dos últimos tempos nos colocou à prova também na intimidade. Sabemos ser verdadeiramente íntimos dos nossos companheiros de jornada?  Se ainda não sabemos, podemos aproveitar o estreitamento imposto pela pandemia para aprender a nos achegar pra valer. Topa?

Intimidade casa com revelação mútua. Para que a liga entre duas pessoas seja cristalina, é preciso estar disposto a descortinar ao outro o tanto de vida que cabe dentro da gente, principalmente as coisas que habitam o interior do nosso interior. E também se interessar de verdade pelas profundezas daquele ser.

Sem abertura e coragem para estar por inteiro numa relação, com nossas luzes e sombras, a intimidade nos escapa. Não nos mostramos e, com isso, perdemos a chance de deixar o outro à vontade para se mostrar também.

Intimidade é partilhar nossa história

“Dentro de cada um de nós existe uma história que precisa ser contada. Intimidade significa compartilhar nossa história. Compartilhar nossa história nos ajuda a lembrar quem somos, de onde viemos e o que é mais importante em nossa vida. Compartilhar nossa história nos mantém sãos”, ensina o líder espiritual australiano Matthew Kelly em Os Sete Níveis da Intimidade – A Arte de Amar e a Alegria de Ser Amado (Sextante).

O que torna Matthew Kelly, também fundador da Ong The Dynamic Catholic Institute, grande defensor do tema é a convicção de que podemos sobreviver sem intimidade, mas, se ela se ausenta das nossas vidas, não podemos nos realizar e desabrochar. Sem ela, ele alerta, nem todos os tesouros do mundo conseguirão satisfazer nossa fome de afeto. Resultado: Nossos corações continuarão inquietos, angustiados e insatisfeitos.

A intimidade floresce quando o medo se dissipa

Mas como nossa história, abre-alas de relações mais encorpadas, será recebida pelo outro? Impossível adivinhar. A espinha gela. Por essa fenda é que o medo pode se infiltrar, nos calando, nos engessando. Ora, se evitamos a intimidade por receio de sermos rejeitados por aquilo que somos, sobra o quê, então? O que nossa persona quer intencionalmente exibir para o mundo, como uma vitrine, arrumada à nossa maneira. Talvez, exuberante. Talvez, descolada. Porém, rasa como um prato. 

Pode ser confortável permanecer nesse lugar constantemente retocado. Mas, pense no quanto se perde ao se evitar um vínculo mais robusto, forte o suficiente para acolher nossas vulnerabilidades. “Quando a base da vida é uma autêntica experiência de intimidade, nos ligamos a pessoas com quem podemos compartilhar nossas vidas, nos interessamos genuinamente por quem se encontra à nossa volta e, com isso, construímos relacionamentos muito gratificantes”, afirma Kelly.

São as pessoas próximas que nos espelham

Acontece que dizer sim à intimidade também pressupõe olhar para o espelho que o outro tem nas mãos e que reflete o nosso verdadeiro eu, não a imagem idealizada de nós mesmos, que, aliás, tanto gostamos de cultivar. “A intimidade nos resgata desse mundo de faz-de-conta. Esse é um dos motivos pelos quais a evitamos. Muitas vezes preferimos viver com nossas fantasias a viver no mundo real”, dispara o autor. 

O que para muitos é motivo de desconfiança e fechamento das fronteiras afetivas, para a psicoterapeuta Neiva Luci Bohnenberger é justamente o néctar dos encontros. “O melhor de um relacionamento é o quanto sabemos aproveitar para reconhecer padrões repetitivos de menos valia e mudar nosso autoconceito e a nossa autoimagem”, ela opina.

Temos aí uma questão difícil de ser encarada. Se as relações íntimas podem ser catalisadoras de processos tão importantes para o desenvolvimento humano, por que tantas pessoas acabam se convencendo de que certo distanciamento é melhor do que a proximidade emocional?

Só podemos nos abrir se cuidarmos das nossas feridas

Neiva, com seus 41 anos de clínica, vai direto ao ponto: “A intimidade é uma desconstrução de defesas, muros, crenças e traumas registrados na memória do corpo. São esses velhos padrões, que precisam ser abandonados, que nos impedem de amar e ser felizes”. 

Então, fica claro que a intimidade começa em nós, na aproximação amorosa das feridas que carregamos e que tendemos a proteger a todo custo para evitar que doam novamente. 


“Na medida em que cada um de nós adentra a si, percorre os caminhos do seu interior numa busca de autoconhecimento, de aceitação de si, inicia-se uma construção para uma vida mais criativa, que requer persistência, atenção e a certeza de que queremos viver uma vida sem medo da dor e de que podemos fazer algo novo, divertido, bom e criativo com o que sentimos”, delineia Neiva. 

Lembra que no início falamos da importância de contarmos nossa história às pessoas dignas da nossa confiança? Pois, antes, precisamos recontar essa mesma história a nós mesmos, como lembra a psicoterapeuta: “É da história de cada um conhecer as próprias feridas. Só posso estar com o outro quando cuido das minhas feridas e aceito as cicatrizes de minhas batalhas, das muitas vezes que venci meu medo de não ser bom o bastante, assim como minhas inseguranças e vergonhas”.

E se nos sentimos à vontade para partilhar esse mundaréu de vivências íntimas é porque não só confiamos na escuta acolhedora do outro, como também nos responsabilizamos por tudo o que sentimos e compreendemos que somente nós podemos fazer algo a partir dessa matéria-prima.

A intimidade é, portanto, uma libertação.

Os Sete Níveis da Intimidade

A arquitetura da intimidade se faz em camadas que requerem tempo para se adensarem e proporcionarem a rica experiência dos vínculos profundos. Conheça cada uma delas, segundo a visão de Matthew Kelly:

1

Clichês

Nesse nível, temos contatos casuais, encontros que revelam pouco sobre cada pessoa e que são baseados em trocas passageiras e superficiais. Esse estilo de comunicação pode ser útil para se começar a conhecer alguém.

2

Fatos

A tendência, aqui, é a de concentrar nossa comunicação nos fatos relativos às nossas vidas e ao mundo. Não discutimos os acontecimentos, apenas os relatamos, o que, em geral, previne conflitos. No entanto, se permanecermos muito tempo nesse nível, o relacionamento não evolui. 

3

Opiniões

Elas podem divergir, provocando discussões. É importante lembrar que todas as divergências podem ser debatidas, desde as mais simples até as mais complexas. Essa prática é positiva, pois oxigena a relação, ao passo que o duelo pelo duelo recorrente gera um desgaste, muitas vezes, irreversível.

4

Esperanças e Sonhos

São uma parte fundamental da vida e de qualquer relacionamento saudável. Embora digam respeito ao futuro, eles também revelam algo sobre quem somos agora e sobre nossos desejos mais profundos. A beleza deste nível é que só falamos dos nossos sonhos e esperanças com aqueles que aceitam nossa essência. 

5

Sentimentos

Conhecer os próprios sentimentos e compartilhá-los é parte integrante da intimidade. Este nível consiste em tomar consciência da maneira como nos sentimos em relação a pessoas, lugares, coisas e acontecimentos e em aprender a compartilhar esses sentimentos para que o ser amado nos conheça mais profundamente. É o momento de sustentarmos nossas vulnerabilidades. 

6

Medos

Este é o nível dos medos, erros e fracassos. É aqui que precisamos muitas vezes cuidar das feridas do passado, pois nos expomos, ficamos emocionalmente nus. Em contrapartida, confiamos na aceitação que virá dos nossos parceiros, o que reflete grande maturidade num relacionamento. 

7

Necessidades legítimas

Desabrochamos quando elas são atendidas. Este nível, entretanto, não consiste simplesmente em conhecer as necessidades legítimas – que podem ser físicas, emocionais, intelectuais e espirituais – uns dos outros, mas também em nos ajudarmos a atendê-las. O relacionamento, então, se transforma numa colaboração dinâmica. E tende a ficar cada dia melhor.

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