Imagine a cena: você está no supermercado e vê nas gôndolas de alguns alimentos uma etiqueta ao lado dos preços, avisando que aquele produto contribui para o desmatamento da Amazônia. O que você faz? Procura outra opção, certo? Acredito que sim. Sem dúvida, seria mais fácil para o consumidor se esse tipo de informação estivesse disponível de forma clara, transparente, contundente. E isso até já aconteceu pontualmente, durante campanhas de ativistas e ONGs ambientalistas. Mas sabemos que não é assim que os mercados expõem suas mercadorias nas lojas.
De todo modo, isso não significa que seja tão difícil escapar desse tipo de consumo que acaba contribuindo para a destruição da floresta. Lembre-se: consumir é apoiar. E precisamos selecionar bem as causas que queremos carregar do presente para o futuro.
O que você pode fazer, então, para escapar dessas compras? A primeira coisa é conhecer as principais causas do desmatamento do bioma. Segundo levantamento feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a pecuária ocupa cerca de 60% das áreas já desmatadas na Amazônia. Além disso, o setor também é conhecido como estratégia para legitimar a grilagem de terra na região.
Traduzindo, temos um cenário em que a floresta é derrubada ou queimada para dar lugar a mais pastagens. Outro vilão do desmatamento é a monocultura de soja, também ligada diretamente ao mercado pecuário: estima-se que mais de 80% da soja produzida no Brasil viram ração para animais dentro e fora do país.
Comidas que desmatam a floresta
“Não há qualquer dúvida de que a perda da floresta amazônica tem relação direta com a pecuária de corte e leiteira, e também com a produção de soja, que muitas vezes tem rotatividade com o milho. Esses grãos são a base proteica para a alimentação do gado e também de granjas intensivas de frango, ovos e suínos, além da piscicultura”, afirma a nutricionista e ativista vegana Alessandra Luglio, professora do YAM no curso Veganismo: O Mundo é o que Você Come.
“Então, quando falamos em desmatamento da Amazônia, quem não quer ser parte disso precisa reduzir ou eliminar o consumo de produtos de origem animal, e ponto. O resto é perfumaria. No caso da soja, por exemplo, não precisamos cair no discurso que diz que comer tofu ou proteína de soja também é ruim para a floresta, porque esses produtos não representam nem 2% da produção de soja no Brasil”, argumenta.
Para ela, se não tivéssemos que alimentar esses animais, não haveria necessidade de desmatar mais áreas para expandir as fronteiras do agronegócio. “Pelo contrário, sobraria terra e ainda poderíamos investir mais em agrofloresta sintrópica, que não derruba a floresta”.
Primeiro desmata, depois vira plantação de soja ou pasto
O biólogo e doutor em Ciências Ambientais Zysman Neyman, professor e pesquisador da Universidade Federal de São Paulo, concorda com a nutricionista. “O desmatamento na Amazônia ocorre em áreas públicas ou devolutas, como territórios indígenas, inclusive. Essa ação de destruição da floresta é a primeira coisa que os fazendeiros fazem, para depois vir ocupando a área com gado e com plantações como a soja, na tentativa de obter, posteriormente, a anistia dessa ocupação irregular do território. Essa é a prática na Amazônia: desmatamento, grilagem, ocupação e depois regularização da terra a partir de lobby no Congresso Nacional e no Executivo, que é a política que a gente sabe que é feita por aqui”.
Sobre o consumo dessa carne, ele diz que é um hábito muito arraigado entre os brasileiros há séculos. “Tanto que em épocas de crise, como essa atual, a gente ouve na mídia que a população não está conseguindo nem comprar carne e tal, como se fosse um item absolutamente essencial do cardápio. E nós sabemos que é uma questão cultural e que a alimentação vegetariana já seria suficiente para suprir todos os nutrientes necessários à vida humana”, reforça.
“Porém, estamos falando de uma macroagricultura, de uma economia muito grande e destinada, principalmente, à exportação para grandes conglomerados populacionais como a China e a Europa. Ou seja, ainda que seja importante reduzir o consumo de carne dos brasileiros ou, pelo menos, desenvolver cadeias de produção mais sustentáveis, isso ainda seria insuficiente para reduzir o desmatamento da Amazônia. Isso porque a maior parte da carne e também da soja produzida aqui é exportada. E para mudar isso seria necessário mudar hábitos internacionais, o que é uma questão bem mais complexa”, ressalta Neyman.
Boicote aos responsáveis que desmatam
É aí que entra outra estratégia de consumo para o combate ao desmatamento na Amazônia: recusar produtos que venham de agentes fundamentais a esse modelo de agronegócio. Nesse sentido, a dica é entender mais sobre o funcionamento e a dinâmica desse sistema agroalimentar, que vai além dos produtos de origem animal. Se você já cortou a carne do seu prato, vale a pena ficar de olho nos outros braços dessas empresas vilãs do desmatamento.
É que grandes corporações ligadas ao desmatamento da Amazônia também colocam no mercado outros tipos de produtos alimentícios. É o caso da Cargill, a maior companhia de soja e agricultura do mundo, grande compradora de commodities brasileiras. A empresa é a dona de marcas de molhos de tomate como Pomarola, Elefante, Pomodoro e Tarantella. E mais: também é proprietária dos óleos Liza e Mazola, dos azeites Gallo e Borges, além dos azeites compostos Maria e Olívia e dos molhos para salada e maioneses Liza. Comercializam até óleo de coco, por meio da marca Purilev.
Marcas de alimentos ligadas ao desmatamento
Em outros termos, se você compra essas marcas, você apoia e ajuda essa empresa a continuar com o mesmo modelo de negócio. Portanto, boicotá-las é também uma maneira de dizer não ao desmatamento da Amazônia. Em 2019, um relatório da organização internacional Mighty Earth apontou as empresas que estão por trás das queimadas na Amazônia e também no Cerrado brasileiro. O documento enfatiza bem: a JBS, maior companhia de carnes do mundo, e a Cargill são as duas grandes responsáveis pelo desmatamento na floresta amazônica.
E a cadeia de cúmplices vai além. É só pensar que dois dos maiores clientes da Cargill são as gigantes McDonald’s e Coca-Cola. E os supermercados? Também têm sua parcela de responsabilidade. No início de março, a multinacional Casino, controladora do Grupo Pão de Açúcar (que inclui os hipermercados Pão de Açúcar, Extra e Assaí Atacadista, entre outros), foi processada por representantes de comunidades indígenas do Brasil e da Colômbia em um tribunal francês. A empresa foi acusada de vender carne bovina proveniente de crimes ambientais na Amazônia, violando a legislação francesa ao relaxar no monitoramento de fornecedores.
Compras que contribuem para a floresta em pé
Fugir das grandes marcas e buscar pequenos produtores locais, de preferência orgânicos, é um caminho mais certeiro para não sermos parte do problema. Mas precisamos ir além disso. “O momento ambiental é tão emergencial, tão importante, com risco de desertificação da Amazônia e tudo mais, que não podemos nos restringir a apenas evitar o desmatamento. Precisamos regenerar a floresta”, defende Neyman.
“Essa revitalização não vem da monocultura, que tira a água do solo, degrada, reduz a biodiversidade. A regeneração da floresta vem do apoio à economia da floresta, mantida por comunidades, ribeirinhos e cooperativas. Precisamos colocar essa biodiversidade no prato. Incluir mais açaí, mais cajá, castanha-do-pará, enfim, apoiar esses produtores que precisam da floresta em pé para sobreviver e desenvolver essa economia”.
Alessandra Luglio diz que a Amazônia tem muitos frutos, sementes e castanhas ainda pouco consumidos no Brasil. “Se eu consumo café todos os dias, por exemplo, por que não comprar um que venha de um manejo sustentável na Amazônia?”, sugere.
De novo, se o mundo é o que a gente come, podemos, sim, traduzir nossa perspectiva de futuro em alimentos que dão suporte à floresta e à vida. Vamos nessa?